Coletivo dos sistemas heterológicos
Caso 28 : Práticas do acaso
Encontro Internacional, 3 a 5 de março de 2010
Niterói, Rio de Janeiro, Brésil
O saber do médico e do estrategista difere, por sua natureza, da sapiência do filósofo. No primeiro caso, não se trata de uma ciência do Ser (das Essências imutáveis, das Idéias eternas, das Formas definitivas); trata-se de um saber da duração e das articulações do tempo. As batalhas e as doenças pertencem à categoria do evento : a dimensão temporal lhes é consubstancial. Longe de banhar-se em um tempo homogêneo e plano, cada evento possui sua duração própria, um tempo de velocidade variável cujos momentos não têm nem o mesmo valor nem a mesma intensidade :
Há pontos críticos do evento assim como há pontos críticos de temperatura, pontos de fusão, de congelamento; de ebulição, de condensação; de coagulação; de cristalização. E há até mesmo no evento estados de liquefação abaixo da temperatura de fusão que só se precipitam, só se cristalizam, só se determinam pela introdução de um fragmento do evento futuro. (Charles Péguy, Clio)
A intervenção oportuna do médico é da mesma ordem : seu gesto é determinante para o curso ulterior da doença. Ele deve espreitar as turbulências, as variações, bifurcações e pontos de ruptura qui turvam a mais lisa das durações, pois agindo precisamente nesses momentos de indeterminação, chegará a impor uma direção decisiva à patologia em curso. Desde que se interfira no momento oportuno, basta um pequeno toque, um leve desvio para dar um outro rumo à sequência de eventos.
Como o médico, os poetas e artistas sempre se mostraram atentos às articulações internas do evento. Ovídio oferece várias exemplos : iludida por uma maçã de ouro, a virgem Atalanta declinat cursus, inclina-se e colhe o objeto de sua inclinação, dando assim a Hipomeno ocasião de ganhar tanto a corrida quanto a jovem. Assim se articulam os saberes do kairos et do clinamen, do ponto crítico e da declinação. Há momentos em uma corrida (ou em um discurso, em um curso d’água, no curso dos dias, no decurso de uma batalha, nas cotações dos mercados financeiros...) em que a mais ínfima inflexão pode dar aos eventos um rumo totalmente diferente e uma outra versão. Dito de outro modo : há um saber do clinamen e esse saber não é somente teórico, mas prático.
O objetivo desse encontro será portanto não apenas o de discutir como os artistas dão a sentir esses pontos de indeterminação temporal, mas igualmente o de mostrar como, nas práticas artísticas, os recursos dessa indeterminação são por eles explorados. E talvez também o de produzir gestos kairóticos sobre o cursus do que estamos em vias de nos tornar no século XXI. Praticando o acaso haja o que houver, esperamos aumentar nossas chances de pegar os kairoi pelos cabelos.
Fronte capillata, post est occasio calva.
Programa Erasmus Mundus Crossways in European Humanities/Universidade Federal Fluminense. Organização : Maria Cristina Franco Ferraz (mcfferraz@hotmail.com), Jonathan Pollock (pollock@univ-perp.fr). Data limite das propostas : 30 de junho de 2009.
Collectif des systèmes hétérologiques
Cas n° 28 : Pratiques du hasard/Práticas do acaso
Rencontre internationale, 3-5 mars 2010
Niterói, Rio de Janeiro, Brésil
Le savoir du médecin et du stratège est d’une autre nature que la sapience du philosophe. La leur n’est pas une science de l’Être (des Essences immuables, des Idées éternelles, des Formes définitives), mais un savoir de la durée et des articulations du temps. Les batailles et les maladies relèvent de la catégorie de l’événement : la dimension temporelle leur est consubstantielle. Loin de baigner dans un temps homogène et plat, chaque événement possède sa durée propre, un temps à vitesse variable, et dont les moments n’ont pas tous la même valeur ni la même intensité :
Il y a des points critiques de l’événement comme il y a des points critiques de température, des points de fusion, de congélation ; d’ébullition, de condensation ; de coagulation ; de cristallisation. Et même il y a dans l’événement de ces états de surfusion qui ne se précipitent, qui ne se cristallisent, qui ne se déterminent que par l’introduction d’un fragment de l’événement futur. (Charles Péguy, Clio)
L’intervention opportune du médecin est de cet ordre-là : son geste est déterminant pour le cours ultérieur de la maladie. Il doit guetter les turbulences, les remous, les bifurcations et points de rupture qui troublent la durée la plus lisse, car en agissant précisément à ces moments d’indétermination, il arrivera à imposer une direction décisive à la pathologie en cours. Pourvu qu’on intervienne au bon moment, il suffit d’un petit coup de pouce, d’une légère déviation pour donner à la suite des événements une autre tournure.
À l’instar du médecin, les poètes et les artistes se sont toujours montrés attentifs aux articulations internes de l’événement. Ovide foisonne d’exemples : leurrée par une pomme d’or, la vierge Atalante declinat cursus, s’incline et ramasse l’objet de son inclination, donnant ainsi à Hippomène l’occasion de gagner et la course et la fille. Ainsi s’articulent les savoirs du kairos et du clinamen, du point critique et de la déclinaison. Il y a des moments dans une course (ou dans un discours, ou dans un cours d’eau, ou dans le cours du jour, ou dans le cours d’une bataille, ou dans le cours des marchés financiers…) où la plus infime inflexion peut donner une toute autre tournure aux événements — une toute autre tournure, et une toute autre version. Autrement dit, il existe un savoir du clinamen, et ce savoir n’est pas seulement théorique, mais pratique. L’objet de cette rencontre sera donc non seulement d’explorer comment les artistes donnent à sentir ces points d’indétermination temporelle, mais de montrer également comment ils en exploitent les ressources dans leur pratique même. Et peut-être aussi de produire des gestes kairotiques sur le cursus de ce que nous sommes en train de devenir au 21e siècle. En pratiquant le hasard à tout hasard, on espère augmenter nos chances de saisir les kairoi par les cheveux.
Fronte capillata, post est occasio calva.
Programme Erasmus Mundus Crossways in European Humanities/Université Fédérale Fluminense. Organisation : Maria Cristina Franco Ferraz (mcfferraz@hotmail.com), Jonathan Pollock (pollock@univ-perp.fr). Date limite des propositions 30 juin 2009.